Capítulo 25: Surpresas e incertezas

Zac

 

Uma vez, ainda por terminar o colégio, uma amiga da época me alertara que as pessoas só conseguem te fazer o mal que você permite a elas que façam. E isso mudou a minha mente desde então.

Não que o conselho tenha feito de mim um ser superior à todos os outros e intocável à todo mal, pelo contrário, só que agora eu tinha consciência de que a culpa era mais minha do que dos outros. E isso fazia com que eu me odiasse por muitas vezes.

Passei as últimas semanas tentando inutilmente afastar meus pensamentos daquela frase de amor vinda de Allison, que havia sido movida pelo álcool e dirigida à mim naquele bar; e aquilo vinha sendo muito mais difícil do que deveria ser ou do que eu estaria disposto a admitir. E me fazia mal, todos os dias, mesmo que eu não tivesse tido nem sequer uma notícia sobre Allison em todo aquele tempo.

Virei para o outro lado da cama vendo Rachel deitada ao meu lado, com suas costas nuas viradas para mim, um lençol cobria suas curvas, deixando metade de seu corpo coberto. Admirei sua pele, cuja qual eu conhecia a suavidade pelo toque, mas que gritava para o mundo o quão tocável era, e eu amava passar minhas mãos em cada pedaço dela. Comecei então acariciando seu braço exposto, a fazendo respirar fundo, como um gato que havia acabado de receber um carinho do qual havia gostado e então lhe dei alguns beijos em suas costas, a fazendo despertar de uma vez por todas.

“Bom dia!” Eu disse com a voz ainda um pouco rouca, devido às poucas horas dormidas na noite anterior.

Rachel olhou para mim com os olhos entreabertos, tentando lutar contra a luz do dia. Tocou seus lábios contra os meus e então sorriu.

“Você nunca se cansa?”

Minha expressão era de dúvida àquela pergunta repentina, o que fez com que eu recebesse um sorriso de lado, com uma expressão óbvia no rosto. Resolvi então admitir que sabia do que ela estava falando.

“De você? Não. Nunca.”

Sorrindo, ela esticou o braço por sobre mim e pegou seu celular no criado mudo que estava de meu lado, para poder consultar as horas. Seu olhar de surpresa foi o bastante para eu saber: ela estava atrasada para algum compromisso.

“Nossa, que bom que você me acordou, eu preciso voltar a correr. Desde que cheguei aqui só tenho engordado e nada de me mexer. Acho que me acostumei à ser mimada e a só comer e dormir, daqui à pouco eu saio rolando as escadas.” Ela riu enquanto me olhava.

A puxei pelos braços para que caísse em cima de mim, a abraçando forte em seguida.

“Acho que você devia ficar aqui comigo de bobeira o dia inteiro. Não ligo se você ficar gordinha, porque sei que vai ficar ainda mais gostosa.” Dei um beijo em seu pescoço e pude sentir que os pelos de seus braços se arrepiaram no exato momento em que ela soltou um suspiro.

“Nem pense nisso. Você não vai me convencer à ficar em casa hoje.” Ela sorriu, me deu um beijo na testa e se afastou. “Não quero ficar gorda. Nem sequer brinque com isso, senhor Hanson, nem brinque com isso.”

Rachel se levantou e se encaminhou ao banheiro de nosso quarto. Não demorou muito e estava saindo de casa com sua roupa de academia que eu não via em seu corpo já há algum tempo.

Fui tomar meu café da manhã improvisado – pois eu, mesmo depois de toda a minha vida morando sozinho, ainda era uma negação na cozinha, – e enquanto trocava os canais da televisão, procurando por qualquer coisa mais interessante do que o programa sobre girafas que passava naquele momento, o telefone tocou. Olhei para o identificador de chamadas e o número não me parecia estranho, só que eu não conseguia me lembrar à quem pertencia. Resolvi então atender e acabar com aquele mistério.

“Alô?”

“Mas ora, ora, então é mesmo verdade que o senhor Zachary Hanson está de volta à cidade.”

Aquela voz…

“Megan.”

“Zac, querido. Você fez uma festinha de boas vindas e nem sequer fez questão de me convidar. Tenho que assumir que eu ficaria chateada em outros tempos, você bem sabe, mas hoje em dia eu posso seguir em frente e perdoar você por esse deslize gigantesco.”

“É claro que sim, e então me ligar só para dizer isso.” Sorri para mim mesmo. Fazia tempo que eu não falava com uma Megan tão relaxada como aquela do outro lado da linha. “Eu também estava morto de saudades de você, Megan. Mas me diga, como conseguiu meu telefone?”

“Eu tenho meus contatos, se você quer mesmo saber. Como está seu fim de semana? Eu queria ver você depois de tantos anos. Quero ver se todas as minhas pragas para você ficar obeso funcionaram.”

Eu ri. Aquilo era mesmo incrível. “Estou muito ocupado.” Disse enfiando uma colherada de cereais na boca.

“Consigo ouvir o barulho da televisão daqui.” Peguei o controle o mais rápido que pude e abaixei o volume. “E se bem te conheço, você está fugindo de mim.”

Bingo!

“Não estou fugindo.”

“Escuta, Zac. Não é como antes, isso eu posso te garantir. Eu queria mesmo ter uma conversa com você e ver essa sua cara feia – e espero que gorda – mais uma vez, e é só isso, eu juro.”

Respirei fundo, pensando naquela possibilidade de vê-la depois de tantos anos longe. Eu realmente esperava que Megan tivesse amadurecido e criado juízo naquela cabeça vazia dela e considerando todas as minhas opções, estava disposto à dar à ela esse voto de confiança. Depois de tudo o que eu havia aprontado, era o mínimo que eu podia fazer.

“No seu Starbucks daqui uma hora?”

Ela deu uma risada suave, talvez por eu me lembrar daquele detalhe. Megan gostava tanto daquele lugar que antigamente Paul e eu nos referíamos à ele como o “Café da Megan”.

“Mas é claro, nos vemos por lá!”

***

“Zachary Hanson, o galã da cidade de Nova York está de volta.” Megan disse ao me ver ainda de longe. Ela estava mudada. Além de ter mudado muito fisicamente, sua expressão também era outra. Os anos haviam feito bem à ela e agora sim eu podia vê-la como uma mulher e não como aquela menina com a qual eu me envolvi há alguns anos atrás. Ela vinha já com os braços abertos, disposta à me dar um abraço, o qual eu aceitei e retribuí.

“Como está, Megan?”

“Estou ótima, como pode ver.” Ela riu. A antiga Megan ainda morava ali dentro pelo que eu podia ver, convencida que só. Mas pude ver também que o que ela dizia era verdade, pois ela trazia um sorriso em seu rosto e seus olhos brilhavam. “Vamos entrar, te pago um café.”

Pedimos nossas bebidas e sentamos em uma das mesas vazias, não estava cheio naquele dia e muito menos naquele horário.

“O que te trouxe de volta à Nova York, Zac? Por um acaso não tem a ver com uma loura mimada e rica que conhecemos em comum, não é?”

Balancei a cabeça negativamente e abaixei a cabeça enquanto pensava. “Eu fui promovido. Agora chefio o setor de artes da filial que a empresa na qual trabalho tem aqui.” Decidi que não iria tocar no restante do assunto que ela tentava tirar de mim.

“Chefe? Se eu soubesse tinha te levado à um lugar bem mais caro e feito você pagar.”

Eu sorri. Ela parecia realmente mais descontraída e de bem com a vida, eu gostava daquela Megan.

“Como anda a sua vida, Meg? Me conte as novidades, o que aconteceu enquanto eu estive fora?”

“Bem, eu estou noiva.” Levantou a mão direita para me mostrar a aliança com uma pedra no topo. “Meu noivo é dono de uma rede de restaurantes, então eu larguei da W&F e de toda aquela baboseira para apoiá-lo completamente.”

Sorri para ela. “Que bom saber que as coisas estão dando certo pra você.” E eu realmente sentia aquilo. Estava feliz por Megan ter seguido em frente e por ter dado a volta por cima.

“Eu vi a aliança em sua mão, também.” Ela arqueou a sobrancelha enquanto carregava um sorriso maroto nos lábios. “Quem é ela?”

“Rachel. Esse é o nome dela. Ela veio comigo de Londres, largou a coisa toda por lá também, para me apoiar por aqui.”

“Ela te faz feliz, não é?”

“O tempo todo.”

Megan tinha um meio sorriso no rosto enquanto me olhava, pensativa. Achei que devia estar analisando minhas expressões, tentando entender se em mim e em tudo o que eu havia falado até ali, existia apenas sinceridade.

“O que aconteceu com a Allison, Zac?”

Eu não acreditava que ela havia trazido àquele assunto à tona mais uma vez.

“Megan… Isso já não importa mais. Acabou. É completamente passado agora.”

Megan respirou fundo e deu um gole em seu café.

“No fundo, eu te chamei aqui porque queria falar sobre isso.” Tentei interrompê-la, mas não funcionou, era claro. “Quando olho pra trás hoje, acho que não fiz o melhor, eu não devia ter me metido. Eu queria pedir desculpas à você por todo o mal que te fiz.”

“Não precisa Megan, de verdade. A Allison seguiu em frente, eu segui em frente e bem, ambos estamos mais felizes hoje do que éramos no passado, isso eu posso garantir.”

“Vocês dois sofreram por minha causa e por consequência, eu também. Poderia ter sido diferente de alguma forma.”

“Megan, a culpa é toda minha, de mais ninguém e bem, nada poderia ter sido diferente de forma alguma depois que aceitei entrar naquela enrascada toda. Aliás, eu nem queria mais falar sobre isso, acho que já deu, é passado, então por favor, vamos colocar uma pedra em cima disso.” Respirei fundo, completamente aborrecido.

“Ok. Mas saiba que vou para casa um pouco mais leve hoje.”

“Eu nunca iria imaginar que você se importasse com isso até agora. Já fazem tantos anos…”

“Estou me desfazendo da minha fama de malvada, não acho que preciso mais disso.”

“Olha só. Quem te viu, quem te vê.”

***

O melhor de quando você é jovem e cheio de vigor é que seus amigos estão na mesma onda que você e tudo é festa e motivo para curtir uma noite badalada em Nova York, a cidade que nunca dorme.

Eu observava meus funcionários e já não fazia tanta questão de acompanhá-los em suas farras que viravam a madrugada, não era mais o meu tipo de negócio, embora sentisse uma certa nostalgia de anos atrás quando Paul e eu éramos incansáveis. Quantas noites em claro antes de um dia de trabalho… Ah, a juventude.

Eu andava mesmo muito nostálgico naqueles dias, mas quando Chris me ligou e sem cerimônias me chamou para tomarmos uma cerveja juntos, achei bastante estranho, afinal, ele dizia do outro lado da linha que precisava conversar comigo o quanto antes.

Aceitei mais por educação, afinal, eu tinha um certo receio do que pudesse vir dele. Imaginei se de repente Allison também não resolvera ser tão sincera com seu namorado quanto fui com a minha. E isso poderia ser um grande problema para mim naquele momento.

Mais tarde, cheguei àquele bar indicado por Chris, que segundo me dissera por mensagem, já estava por lá há alguns minutos, pois havia saído mais cedo do trabalho, ao contrário de mim, que me enrolei com um projeto de um grande cliente da nossa empresa.

Entrei e encontrei sua mesa em um canto escondido do estabelecimento um tanto aconchegante. Pude ver que ele já tinha algumas garrafas de cerveja em um balde cheio de gelo.

Chris se levantou para me cumprimentar e sentou de novo, me convidando para que me servisse.

“Está com fome, Zac? Podemos pedir alguma coisa para comer, se quiser.”

“Não se incomode comigo, Chris, eu estou bem.” Peguei o copo e o enchi com aquela substância amarela, tomando os primeiros goles. “Ah, nada melhor que uma bebida gelada depois de um dia cheio no trabalho, hein?” Sorri, me sentindo um pouco mais relaxado.

“Rachel não se incomoda que você saia sem ela?”

“Não é como se eu fosse o solteirão de antes, isso é óbvio, há sempre alguma satisfação a ser dada e um certo limite, é claro, mas em um geral, ela não se importa.”

“É um bom equilíbrio.”

“É sim.” Tomei mais um gole, pensando no que dizer à seguir, tinha certeza de que em breve ficaríamos sem assunto e pelo visto não estávamos ali pelo meu passado com sua atual namorada.

“Sabe Zac, eu preciso de uns conselhos seus.”

Franzi a testa, acho que minha expressão era mais surpresa do que deveria ser naquele momento.

“Aconteceu alguma coisa?”

“Na verdade, não. Mas pode ser que aconteça em breve.”

“Estou ficando intrigado.” Eu sorri um tanto confuso e tomei mais um gole de minha cerveja.

“Eu estudei com você e mesmo que com pouco tempo, pude conhecer o seu passado com as mulheres e hoje depois de anos, encontro um Zac totalmente diferente daquele de alguns anos atrás. Um Zac apaixonado, fiel, noivo e bem resolvido.”

Ah não! Conselhos amorosos, não. Não, não, não!

“Eu queria tomar um rumo na minha vida, queria aquietar, sabe?” Chris continuou. “Acho que chega uma hora que essa necessidade simplesmente aflora na gente.”

“É verdade.” Nossa, parabéns Zac. Você é muito sensível, mesmo. Suspirei fundo com aquele pensamento. “O que acha de pedirmos algo pra comer agora? Bateu uma fome, que nossa.”

“Claro!”

Aproveitei o garçom que estava passando ao nosso lado e pedi uma porção de batatas fritas para beliscarmos. Qualquer coisa para adiar aquele assunto qualquer minuto que fosse. Minha mente trabalhava em possíveis respostas para o que quer que viesse à seguir, mas eu não fazia mesmo ideia do que podia se tratar no final de tudo.

“Eu estive pensando, Zac… Como é morar com alguém?”

Engoli em seco. Eu teria que ser imparcial, esquecer de que muito provavelmente era de Allison que ele estava falando.

“Muito diferente de morar só. É uma outra vida. Mas uma boa vida. Principalmente se você ama de verdade a garota que está ao seu lado.”

“Não sei como vai parecer para você e por favor, não ria de mim,” vi que Chris ficava vermelho à cada segundo. “Mas estou pensando em pedir Allison em casamento.”

Engoli em seco mais uma vez. Lá estava o nome ao qual eu tentava ao máximo não pronunciar, o problema de toda minha vida. Ela não me dava uma folga. Mesmo quando estava longe, estava por perto.

“E por que não pediria? Não tem certeza do que sente por ela, ou algo assim? Ou não tem certeza do que vai ser depois que se casarem?”

As batatas chegaram. O garçom nos serviu, agradecemos e então continuamos o assunto.

“Estou com medo de não estar pronto, sabe como é?” Ele sorria, visivelmente nervoso, escolhendo cada palavra à ser dita. Não era fácil para um homem se abrir sobre seus medos assim com outro cara. “Não chegou a sentir isso antes de pedir Rachel em casamento? Me diz como foi pra você, Zac. Como finalmente se decidiu que era a hora certa para vocês dois.”

“É algo realmente à se pensar com todo o cuidado do mundo. É uma decisão que vai mudar o futuro de vocês dois. Há várias coisas a se colocar na balança, onde você vai ver os prós e os contras.” Peguei uma batata e a enfiei na boca enquanto o olhava e tirava um momento para pensar. “Você acha que ela sente o mesmo? Acha que ela está pronta?” No fundo, bem no fundo, eu queria saber aquilo. Queria saber se Allison estaria disposta à se casar com Christopher, pelo menos pela perspectiva dele.

“Eu não sei. Nos damos muito bem, mas ela está estranha nos últimos meses e não se abre comigo por nada. Ela acha que não percebo como ela está, mas eu só finjo que não. No fundo acho que é alguma dessas coisas de mulher, você sabe melhor do que eu. Ela vive grudada na melhor amiga dela, e a vi chorando com Sam outro dia. Então, queria além de tudo reanimá-la, e acho que um pedido de casamento a traria de volta para mim. Mulheres adoram ter uma novidade pra contar. Fora isso, não temos grandes problemas, acho que ela também gostaria de iniciar essa nova fase comigo.”

De tudo o que Chris havia falado, o que mais me chamou a atenção fora o fato de Allison estar chorando com Samantha nas últimas semanas. Eu podia imaginar muito bem o motivo. A minha vontade era de dizer à ele que não fizesse isso, que guardasse a aliança para uma outra ocasião, que eu não tinha as mesmas certezas que ele sobre o “sim” como resposta caso propusesse aquilo à ela, e que talvez – e isso seria apenas uma maneira de manter minha modéstia – a minha volta fosse o motivo desse comportamento estranho de sua futura noiva, – ou não.

“Sinceramente? Eu acho que você deveria esperar um pouco mais. Não dá para pedir uma mulher em casamento só por causa do humor dela. Essa é uma decisão séria e bem, quando você tiver certeza, nada será empecilho para vocês dois. Dá pra sentir quando é a hora certa, entende? Parece que o mundo não fará mais sentido se você não tiver aquela pessoa pra sempre com você.”

“Nossa Zac, profundo isso.” Chris ria de mim enquanto colocava algumas batatas na boca.

“Eu me esforço.” Dei de ombros e ri.

Continuamos conversando por mais algum tempo e alguns instantes depois seu celular tocou. Sua expressão era cada vez mais preocupada ao ouvir o que diziam do outro lado da linha.

“Certo. Onde ele está? Estou indo. Obrigado por me avisar.”

“Chris, está tudo certo? O que houve?”

“Preciso ir nessa. Um amigo, ele acabou de ser preso, acredita?”

“Caramba. Você não está de carro, certo? Eu posso levar você.” Me lembrei de sua menção ao carro quebrado e de sua ida ao trabalho de táxi nos últimos dias.

“Eu posso pegar um táxi, Zac. Muito obrigado.”

“Não, não. Eu levo você, faço questão.”

Ele concordou com um aceno de cabeça e fechamos a conta um momento depois. Partimos dali em completo silêncio. Chris parecia estar bastante preocupado e a única frase que ele disse em nosso caminho até o carro fez com que meu coração gelasse.

“Esse Peter só se mete em encrenca.”

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