Capítulo 4: Consequência

Allison

Durante toda a minha vida sempre me questionei sobre a relatividade do tempo. Por que causa ele sismava em passar tão lentamente quando eu precisava que voasse e por que motivo era tão ligeiro quando eu precisava tanto dele ali ao meu lado me ajudando.

Um mês se passara desde que assumi o cargo cedido a mim na W&F, um mês sentido como se houvesse passado apenas uma semana, como se dias fossem horas e horas como segundos.

A situação se encontrava estável, nenhum “acidente” ocorrera nos últimos 30 dias naquela empresa.

Parabéns Allie! Você passou pela prova de fogo!

Eu finalmente me encontrava mais segura agora, estava mesmo pegando o jeito da coisa.

Minha equipe seguia os trabalhos normalmente, embora ainda parecessem se adaptar à minha supervisão. Tom já havia nos deixado há três semanas e eles pareciam ainda sentir muita falta dele. Acho que além de superior deles, Tom também era um grande amigo para todos ali.

Meu serviço me deixava ocupada por um dia inteiro, eu mal tinha tempo de ir almoçar com meu pai ou sequer almoçar, mesmo que sozinha. Todo o momento haviam pepinos para que eu resolvesse. E eu adorava. Era ótimo poder saber que as pessoas contavam comigo para várias coisas. Eu me sentia importante ocupando aquele cargo.

Ouvi baterem em minha porta.

“Entre!”, eu disse sem tirar os olhos do documento aberto em meu computador.

“Senhorita Watson”, ouvi a voz de Antonieta e então olhei para a direção da porta. “Comprei algumas guloseimas para comermos, caso queira se juntar à nós, estamos na cozinha”.

“Obrigada Antonieta, mas estou de regime. Sabe como é.”

Antonieta sorriu como se achasse graça do que eu havia acabado de dizer. “Claro! Não acho que precise, mas tudo bem.”

Antonieta saiu fechando a porta. Aquela mulher era um amor com todos, um tesouro para a empresa.

Nota mental: Elogiá-la ao meu pai assim que possível.

As guloseimas citadas por ela pareceram tentadoras na hora, tanto que minha boca se encheu de água. Eu sabia que eles sempre se reuniam pra comer e conversar na cozinha às sextas feiras no horário do break e ao meu ponto de vista aquilo era bem saudável, talvez o que os mantesse cada vez mais unidos como eram, porém, eu ainda não participava de nenhuma delas, sempre com alguma desculpa que me absolvesse. A verdade era que eu gostaria de ganhar tempo e me envolver aos poucos com eles. Eu não queria forçar a barra, queria começar a participar de suas reuniões apenas quando fosse realmente bem vinda.

Minha atenção já havia sido absorvida para o documento em meu monitor e ouvi a porta se abrindo novamente após três batidinhas timidas.

“Senhorita Watson…” – Zac segurava em uma das mãos um guardanapo com algumas das delícias trazidas da cozinha e um copo de suco de cor vermelha na outra.

“Já não te disse que pode me chamar de Allison, Zachary?”

“Allison, claro!” ele sorriu. “Te trouxe o que comer.” – Disse colocando tudo em cima de minha mesa à minha frente.

“Eu disse a Antonieta que…”

“Sei bem o que disse à ela, mas fique tranquila. Eles acreditaram em você!” – Cochichou me interrompendo.

Achei ter notado uma piscadela. Será que eu estava ficando maluca?

“Obrigada Zachary!”

Eu estava para conhecer pessoa mais bipolar no mundo. O cara era realmente estranho. Quem poderia entender? Até a semana anterior me tratava apenas profissionalmente falando só o necessário possível comigo, inclusive resolvendo tudo o que podia por si só. E hoje me traz uma parte da festa deles? E ainda por cima pisca pra mim? O que será que estava acontecendo?

“Não se esqueça que também pode me chamar de Zac”.

O vi indo em direção à porta, a fechando logo atrás de si. Olhei para o que ele havia trazido para mim: Docinhos, um pedaço de torta salgada que parecia incrível e um copo de suco de morango. Ouvi um barulho vindo de meu estomago e aquilo me fez rir. Me sentir então aliviada e contente, eu estava faminta.

Vinte minutos depois de comer todas aquelas delícias, recebi uma ligação de um número conhecido. A ligação era de minha amiga de infância, Samantha.

Eu e Sam sempre fomos boas amigas. Sempre estivemos lá uma para a outra. Era incrível como nossa amizade era verdadeira e cheia de amor. Era uma amizade pra lá de saudável. Não consigo me lembrar de qualquer vez que tenhamos brigado ou ficado sem nos falar. Já que Deus não havia me dado uma irmã de sangue, Sam era a irmã que eu havia escolhido por conta própria.

“Alô?”, me ouvi dizer logo após apertar o botão verde no celular.

“Allie!!”, ri assim que ouvi sua voz. Samantha sempre foi mais espontânea do que eu, e isso por uma vida inteira. Ela sempre fez o que queria independendo do que fosse, sem sequer se importar com que os outros fossem pensar. Ela era uma pessoa muito feliz e eu sempre quis ser como ela nesse ponto.

“Sam!”, eu disse sorrindo como se ela pudesse me ver do outro lado do celular.

“Estou morrendo de saudades, Allie.” Senti um pouco de ressentimento em sua voz. Nunca havíamos ficado tanto tempo sem nos falar. Duas semana era demais para nós. “Depois que virou chefa, não quer mais saber das amigas que não trabalham para se sustentar!”, ela continuou e riu logo em seguida. Consegui imaginar Sam gesticulando com seu jeito italiano enquanto falava aquelas últimas palavras.

“Imagina, Sam! Como se realmente fosse assim…”

Ela riu.

“Enfim, estou te ligando para te chamar para ir à uma festa amanhã à noite. O Brady me chamou e disse que vai ser incrível pois um amigo está abrindo uma nova casa noturna na Meatpacking District e que temos que ir. E nem pense em me dar qualquer desculpa esfarrapada porque eu não vou aceitar, senhorita”.

“Eu não sei não. Estou tão cansada ultimamente que só consigo pensar na minha cama e em quanto tempo vou passar nela”.

“Meu Deus, você parece uma velha falando desse jeito, Allie. Que coisa. A festa é amanhã à noite! Me ouviu dizendo essa parte? À noite! Você poderá dormir o sábado inteiro se quiser. Vaaaaaaai, não me diga não!”

Respirei fundo.

“Que horas preciso estar pronta?”.

“Isso! É disso que estou falando”.

“Você sempre me convence, não é mesmo?”

“É, sempre convenço mesmo”.

“Cara de pau!”.

“Também te amo Allie. Saímos às 10 para começarmos o esquenta. Tudo bem pra você Bela Adormecida?”.

“Está ótimo!” – Nesse momento John entrara em minha sala, ele já estava voltando e fiz um gesto com uma das mãos para que ficasse. – “Sam, depois conversamos, tudo bem? Preciso desligar”.

“Ok chefinha! Bom trabalho”.

Eu estava à espera daquele trabalho que John tinha de me entregar para análise, era mesmo muito importante. Desliguei o telefone abrindo seu e-mail que acabara de chegar, o analisando. John seguia sentado à minha frente em silêncio.

Percebi que algo estava diferente do que eu pedira, seria aceitável a mudança se eu não tivesse enfatizado tantas vezes.

O logo.

Eu não queria verde água, eu queria azul bebê.

“John, eu não te disse exatamente a cor que eu queria que tivesse nesse logo?”.

“Disse, é só que… É que…” Ele quase começou a gaguejar em minha frente. “É que o Zac disse que assim ficaria melhor”.

O encarei com uma das sobrancelhas arqueadas. Eu não acreditava naquilo. Aquilo não podia estar acontecendo! Não podia!

Peguei o telefone e liguei para o ramal de Zachary solicitando sua presença na sala imediatamente. Ele não se demorou e se manteve em pé ao lado da cadeira de John como um soldado de chumbo.

“Posso ajudar?”.

“Zachary, eu gosto da liberdade de criação que vocês têm aqui. Admiro isso! De verdade! Mas, por favor, pode não desacatar as minhas ordens?”.

John o olhava de relance, aquilo parecia um pedido de desculpas por tê-lo dedurado para mim.

“Allison, não era a intenção. Eu ainda acho que esse verde está melhor, tem tudo a ver com a marca e…”

“John, pode por gentileza alterar este detalhe e me apresentar o trabalho novamente agora na cor certa?”. – Eu o interrompi, precisava ter aquela conversa em particular com Zac.

“Claro”. – Disse se levantando e saindo da sala no mesmo segundo.

“Zachary, consegue se lembrar do ocorrido com a Antiacid Collection? Saímos do tradicional, mudamos o atendimento, demos mais do que eles esperavam. E qual foi o resultado?” – Eu mesma respondi antes de ele ter a chance. – “Eles adoraram! Fidelizamos o cliente, Zac. Entendo você e quero que continue dando sua opinião em todos os trabalhos que temos por aqui, só não o faça passando por cima do que eu disse, tudo bem? Minha porta está sempre aberta, meu e-mail e telefone sempre disponíveis. Nesse caso, fale comigo antes de qualquer coisa. Não gosto quando passam por cima da minha autoridade sem nem ao menos colocar sua opinião e o que acha antes”.

Talvez eu tenha soado mais rígida do que gostaria, não sei como ele absorveu aquilo, a resposta a tudo o que eu acabara de dizer fora apenas “Ok” e ponto. Nada mais saiu da boca de Zac naquele momento.

“Pode voltar para sua mesa. Muito obrigada!”

E ele se foi sem nem ao menos olhar para trás.

Respirei fundo com um sentimento estranho no meio do peito. Eu não gostava de ter que chamar a atenção de alguém assim. Não sei se fiz certo ter falado tudo o que disse, mas ao mesmo tempo não achava que havia feito de todo o mal, afinal, passar por cima das ordens que eu havia dado à um funcionário não era o que eu esperava de qualquer pessoa ali. Ligada ou não à mim.

Decidi deixar aquela situação para lá. Eu não poderia perder um dia de trabalho por causa daquilo. Muitas situações daquela ainda estariam por vir, eu já esperava.

Voltei a focar meus olhos no computador a minha frente e respondi vários e-mails que aguardavam serem lidos em minha caixa de entrada e ao mesmo tempo analisei alguns documentos que pairavam em minha mesa.

Aquilo havia me tomado bastante tempo, pois quando olhei em meu relógio vi que já havia se passado mais de duas horas desde que Zac havia deixado minha sala. Me estiquei, me espreguiçando e decidi que precisava de um café.

Aquela era a primeira vez que me levantava de minha mesa e senti meus joelhos doerem.

Sai de minha sala e passei pela mesa onde Antonieta se encontrava a fim de trocar umas palavrinhas com ela. Ela estava atendendo uma pessoa na recepção e por isso eu não iria incomodá-la. Deixaria essa conversa para mais tarde sem problema algum.

Passei olhando as mesas das pessoas que trabalhavam naquele setor. A mesa de John foi a primeira a receber minha atenção. Ele me olhou rapidamente e logo depois voltou a olhar para a tela de seu computador, dando atenção total ao trabalho. Megan foi a próxima a receber meu olhar. Ela me chamou por um momento para ver como proceder em um dos trabalhos e logo após voltei para o meu caminho anterior. Paul não estava a mesa, devia estar resolvendo algum pepino em um outro setor. E por fim, lá estava ele, Zachary, com as sobrancelhas franzidas, uma mais alta do que a outra, parecendo muito pensativo e preocupado com o que estava fazendo com os papéis em sua frente.

“Zachary,” ele levantou apenas os olhos para me encontrar parada em frente à sua mesa, nem sequer mexeu um músculo além disso. “Você pode me encontrar na cozinha?” Olhei para o lado e vi que Megan nos olhava. Ela parecia curiosa com o que eu tinha para falar com Zac.

“Um minuto”, foi tudo o que ele me respondeu.

Segui para o lugar onde tinha o melhor café do mundo – mais uma das qualidades de Antonieta, – e chegando lá me servir de uma caneca cheia de café. Me sentei em frente à mesinha de tampo de vidro e apoiei os cotovelos lá enquanto segurava a caneca em frente de minha boca. Dei um gole generoso e fechei os olhos enquanto saboreava aquele gosto doce em minha língua.

“Uh huh”, ouvi uma garganta ser arranhada e abri os olhos na mesma hora. Eu havia sido pega de calças curtas. Senti meu rosto esquentar, mas manti a pose.

“Sente-se”, falei enquanto servia uma xícara de café para ele. Eu queria parecer amigável e por isso havia aproveitado o local para parecer menos formal.

“Olhe, Allison, tenho muito trabalho a fazer… Não pos–”

“Zac!”, o cortei e ele me olhou sério. “Sente-se”.

Entreguei a xícara cheia de café para ele, que aceitou e deu um gole logo em seguida.

“Tenho um motivo para ter te chamado aqui”, eu disse enquanto o olhava nos olhos. Dizem que olhar nos olhos das pessoas demonstra segurança. Ele me olhava esperando que eu concluísse o que estava dizendo. “Eu gostaria de pedir desculpas do jeito que te tratei em minha sala. Não acho que falei contigo de uma maneira… Ahn… Correta.”

Vi o exato momento em que ele levantou uma das sobrancelhas. Ele parecia não acreditar no que ouvia.

“Espere aí, deixe-me ver se entendi direito. Você está me pedindo desculpas?”

Espremi os olhos e a boca.

“Estou. Mas não me arrependo do que eu disse e sim como disse”.

Um maldito sorriso torto brotou de seus lábios.

“Espero que tenha entendido que passar por cima de minhas ordens não é correto”.

“Sei”. E aquele sorriso de novo.

“Então… Então é isso”. Aquele sorriso convencido dele estava me irritando. Parecia que ele tinha certeza de que eu pediria desculpas ou qualquer coisa parecida.

Me levantei, enchi a caneca com café mais uma vez e me virei para ele, que também estava de pé me olhando.

“Desculpas aceita”.

“Muito bom! Então é só. Obrigada por ter vindo e entendido.”

Fui em direção da porta a fim de voltar para minha sala e Zac vinha em minha direção para lavar a xícara vazia. Demos um encontrão, sem sequer nos encostarmos e fomos de um lado para o outro sem deixar que o outro passasse. Não havíamos previsto isso.

O cara era irritante sem nem ao menos tentar.

Zac colocou suas mãos em meus ombros e me rodou para o lado em que estava anteriormente e ele indo para o lugar onde eu estava antes.

“Muito melhor assim”, ele disse sorrindo e se virou para a pia.

Resmunguei internamente por toda aquela prepotência que me irritava tanto e voltei para minha sala.

Capítulo 5 >>

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