Capítulo 26: Preso em uma noite sem fim

Zac

 

Enquanto dirigíamos para a delegacia, pude conferir por minha visão periférica que Chris tentava telefonar à todo momento, sempre sem sucesso. Bufando por várias vezes, ele batia a mão contra o celular e praguejava, como se não soubesse exatamente o que fazer com a informação que havia acabado de receber.

Tentei me acalmar com a simples ideia do que poderia vir à seguir, afinal, não existia só um Peter no mundo, e por isso eu não deveria me preocupar, certo?

Seria sorte demais que aquele Peter ao qual Chris houvera mencionado não fosse o mesmo que havia me apagado há alguns anos atrás, afinal, Chris namorava Allison e era mais do que óbvio que era Peter Watson que estava se metendo em encrenca, levando em conta seu histórico há muito conhecido.

Querendo me livrar daqueles pensamentos e de toda a ansiedade do que estava por vir, resolvi ligar o rádio para me distrair. A delegacia não estava muito longe de onde estávamos, mas eu tentava dirigir o mais devagar possível, afinal, apesar dos pesares, eu gostava da ideia de saber que Peter iria ficar atrás das grades por um pouco mais de tempo, enquanto não chegássemos.

“A Allison vai matar o Peter,” ouvi Chris murmurar mais para si mesmo, como se não esperasse qualquer resposta.

Com a menção do nome de Allison eu pude ter a certeza de que era do mesmo Peter que estávamos falando. Resolvi então jogar um verde para ver se eu colhia maduro.

“Esse Peter… O que ele fez, você já sabe?”

Eu não colocava a mão no fogo por aquele moleque mimado, mas eu tinha quase certeza de que sua ida à delegacia naquela noite tinha algo a ver com agressão à alguma pessoa por aí nesse mundo. Ele nunca fora do tipo ‘flor que se cheira’, nunca fora do tipo que se podia confiar, mesmo que ficasse um tempo quieto em seu canto, sempre voltaria à ativa e sempre acabaria com a raça de alguém pelo caminho, no final das contas. Isso já era sabido desde meus tempos de Watson & Fletcher, até que por fim, pude comprovar pessoalmente o poder de sua raiva e toda aquela explosão.

“Parece que ele agrediu alguém e deixou o cara acabado.”

Fiquei quieto depois disso e dirigi até chegar na delegacia em que Peter se encontrava. Era mais do que óbvio que mesmo que fosse para libertar aquele marginal, eu não deixaria Chris sozinho. O cara parecia mais perdido do que cego em tiroteio, e eu não podia deixá-lo naquele estado para resolver tudo por si mesmo.

Saímos do carro e Chris continuava com o celular na orelha.

“Zac, não precisa ficar, posso resolv-…” Chris encarou o celular e seu rosto se contorceu. “Merda, minha bateria acabou.”

“Quer usar o meu?” Ofereci.

“Não, não é como se alguém fosse atender mesmo. Não depois de eu ter ligado tanto.”

Dei de ombros e continuei meu caminho até a entrada. Chegando lá fiquei ao lado de Chris enquanto ele resolvia todos os parâmetros exigidos pelo policial que estava encarregado do caso. O cara parecia nem ligar para o que Chris queria. Ele não facilitaria nem um pouco para o lado de Peter, pois pelo que falara, ele havia feito com o cara o mesmo que havia feito comigo no passado, havia mandado o cara para o hospital totalmente desfalecido, e após ser detido por agredi-lo, o irmão do cara havia ido até lá para prestar uma queixa contra ele.

Ele estava bem enrascado.

Chris se virou para mim enquanto o policial mexia em alguns papéis em sua mesa e bufou, totalmente desamparado.

“Acho que vou ter que insistir com alguém da família dele. O caso tá mais tenso do que eu poderia prever.”

Entreguei meu celular para ele sem ele sequer me pedir.

“Vou tentar ligar pra Allison.”

Meu coração gelou. O que ela pensaria quando visse meu número de celular em seu visor?

“Senhor…”

Ouvi o policial chamar Chris e no mesmo momento senti meu celular ser jogado para minhas mãos.

“Ligue para a Allison, por favor.”

Fiquei olhando para Chris meio abobado, enquanto ele tentava ao máximo falar com o policial em um tom baixo. Eu não queria falar com Allison, senhor. Tudo bem ela ver meu número de celular em seu receptor e pensar o que quer que fosse, mas daí eu ter que falar com ela…

As coisas ficavam cada vez mais difíceis.

Disquei o número dela e coloquei o celular na orelha, ouvindo o primeiro toque de chamada.

“Esqueci de te passar o núm-…” As sobrancelhas de Chris se uniram. “Está ligando para Allison?” Abri a boca para dar qualquer desculpa esfarrapada que viesse em minha mente naquele momento, mas Chris falou antes de mim. “Como estaria ligando para ela se não te passei o número?”

“Alô?” Ouvi a voz suave de Allison me chamando do outro lado da linha. Como assim o namorado dela havia ligado para ela a noite inteira e ela o havia ignorado totalmente e quando eu liguei ela atendeu no segundo toque? Aquilo era ridículo. “Zac, é você?”

“Zac?” Chris me chamou a atenção. “Zac, me responde, como estaria ligando se não te passei o número?” Aquela pergunta foi repetida.

Toquei no botão vermelho de meu celular o mais rápido possível e encerrei a chamada com Allison. Eu não lidaria com aquilo naquele momento. Não mesmo.

“Não estava ligando para Allison, Chris.” Falei a coisa mais clichè que eu poderia responder e do modo mais calmo possível. “Estou tentando falar com meu advogado para ver se ele poderia resolver isso para gente, mas ele não atende.” Olhei para o celular, tentando dispersar meu nervosismo com aquela pergunta tão de repente. “Acho que vamos ter que ligar para alguém da família mesmo.”

“Vocês dois vão ficar conversando aí ou vão resolver isso logo?” O policial que não queria ajudar perguntou com a cara mais entediada possível.

Chris pegou o celular de minhas mãos sem dizer mais nada e digitou um amontoado de números que era mais do que conhecido para mim.

“Peça para ela vir aqui, por favor. E peça para ela trazer os documentos do Peter e algum dinheiro, o que tenho aqui não vai ser o suficiente.”

Apertei o botão verde na tela de meu celular e coloquei meu cartão de créditos em frente à Chris.

“Não vou deixar uma mulher pagar esse valor por uma fiança, Chris. Use meu cartão, se precisar.”

Me virei de costas assim que ouvi a ligação ser atendida.

“Zac?” A voz de Allison estava confusa. Talvez pelo fato de eu ter desligado em sua cara na ligação anterior sem sequer dizer qualquer coisa. Ou talvez pelo simples motivo de eu estar ligando.

“Olá, eu poderia falar com a Allison?” Se iríamos jogar aquele jogo de não conhecer um ao outro na frente de Chris, eu faria aquilo direito.

“Mas, Zac, o quê?”

“Allison? Olá, Allison. Aqui é o amigo de Chris, o Zachary, como vai?” Dei um tempo como se Allie tivesse respondido e então continuei, mesmo sem ter obtido qualquer resposta da parte dela. “Desculpe te ligar tão tarde da noite, mas é que uma situação ocorreu e o Chris me pediu para te ligar…”

Me virei para verificar se Chris ainda estava atento à minha conversa, e vi que ele estava envolvido em uma discussão com aquele mesmo policial sobre levar Peter para casa hoje ainda. Me afastei um pouco mais, e voltei à meu estado normal, com a voz um pouco mais baixa.

“Olhe só Allison, vou cortar o papo furado e vou falar logo tudo o que tenho para te falar.”

“Até que enfim, porque eu não estava entendendo mais nada.” Ouvi ela dizer rapidamente. “Por que está me ligando, Zac?”

Tenho quase certeza de que Allison achava que eu queria tratar de algo relacionado à nós dois, mas eu teria que partir o coração dela e dizer toda a verdade.

“Peter foi preso.”

“Como é que é?”

“Foi exatamente isso o que você ouviu, Allison. Peter foi preso por fazer o mesmo que fez comigo à outra pessoa e bem, como ele ainda tem um pouco de vergonha na cara, não quis perturbar você ou seu pai, e por isso ligou para Chris, que está feito louco aqui tentando resolver todo o problema que seu irmão causou por agir feito um babaca.”

Eu estava com uma raiva que não sabia de onde vinha e Allison pagava o pato por isso. Era óbvio que eu não havia perdoado Peter por ter me dado uma surra em um momento em que eu estava completamente fraco, e de alguma forma ou de outra, eu não conseguia esconder isso.

“Precisamos que você traga alguns documentos de Peter para que ele seja liberado.”

Allison não conseguiu responder por uns bons cinco segundos.

“Onde ele está?”

Por algum motivo eu tive a impressão de que nenhuma das minhas orientações para que tomasse as devidas providências naquele caso era para ela, de forma alguma, novidade. Ela já conhecia o procedimento muito bem, disso eu tinha certeza.

Me despedi dela assim que ela disse que chegaria o mais rápido possível até ali, e mesmo tentando me agradecer, não recebeu muito a minha atenção. Eu só queria que aquilo tudo terminasse o mais rápido possível para eu poder sair dali e voltar para casa.

“Chris…” O chamei assim que desliguei a ligação com Allison. “Ela está à caminho.”

“Obrigado, Zac.”

Meu celular começou a vibrar no momento seguinte e atendi sem nem ao menos olhar para o visor.

“Alô?”

“Volta pra casa ainda hoje?”

“Rachel…” Naquele momento Chris olhou para mim com a testa franzida. Seus lábios estavam pressionados um contra o outro, e sua expressão era de preocupação, quase como se fosse um pedido de desculpas. “Me espere acordada, eu já estou à caminho.”

“Tudo bem, eu só estava preocupada. Você sempre me avisa quando vai demorar para chegar.”

“Me desculpe. Falha minha.” Me afastei um pouco e disse em um sussurro: “Quando chegar, te recompenso.”

Ouvi Rachel rir do outro lado da linha, sua voz a seguir era divertida.

“Mal posso esperar, então!”

Desligamos e quase agradeci aos céus por aquela ligação, pois além de me tirar toda a tensão, eu finalmente tinha um desculpa plausível para fugir dali o quanto antes. Pelo menos era o que eu pensava.

“Zac, eu espero que possa ficar mais um pouco por aqui. Vou mesmo precisar da sua ajuda para pagar a fiança, mas necessitamos dos documentos que Allison está trazendo primeiro. Me desculpe por te fazer esperar. Espero que não seja muito problema para você.”

“Eu espero contigo, claro! Não se preocupe comigo.” E embora por dentro eu quisesse ir, eu precisasse ir, e soubesse que Rachel ficaria brava comigo se demorasse muito mais, eu não podia simplesmente deixar Chris ali com aquela bucha sendo que havia me disposto a ajudar desde o começo.

Os próximos 20 minutos foram eternos até que Allison entrou esbaforida pela porta da recepção onde nos encontrávamos, ela tinha os cabelos presos em um coque no topo de sua cabeça, vestia uma calça jeans azul e uma camiseta preta. E mesmo estando sem nenhuma produção especial, ela destoava completamente daquele ambiente tão masculino.

A cumprimentei apenas com um olhar e me afastei ligeiramente do casal para que pudessem conversar, afinal, eu era um intruso por ali.

Os vi num conversa ávida e me perguntei porque Allison parecia tão agitada, ouvi quando disse algo como: “deixa que eu falo com ele”, e a seguir se aproximou de mim. Meu coração disparou sem que eu nem pudesse perceber. Eu odiava aquilo tudo.

“Zac, aqui está o seu cartão. Eu agradeço, mas não precisa nos ajudar com isso. Seria tão irônico, não é?”

“Eu não ligo pra isso. Só queria ajudar o Chris, ele parecia um pouco desesperado.”

“Certo. Mas não precisa, mesmo. Toma!”

Ela ainda segurava meu cartão em minha direção.

“Tem certeza? Não vai precisar esconder isso do seu pai? Ele não vai ver isso na sua fatura ou no extrato bancário?”

“Apenas pegue esse cartão e suma daqui com essa concepção de que meu pai me controla como seu eu ainda tivesse 15 anos.”

O peguei, sorrindo nervosamente, não era a minha intenção ofendê-la, mas eu não me desculparia de jeito nenhum.

“Espero que fique tudo bem com o Peter e tudo o mais.”

A vi engolir em seco, talvez pensasse que com ‘tudo mais’ eu quisesse dizer algo a mais do que de fato dizia. “Diga ao Chris que depois converso com ele. Vou indo nessa!”

Me virei e segui para fora da delegacia, dando de cara com um estacionamento frio e escuro. Aquele lugar já estava me dando arrepios e eu queria sumir dali o mais rápido possível.

Algumas passadas rápidas de salto me seguiram, e bem, era como se eu já soubesse quem era.

“Zac?” Ouvir aquela voz tão conhecida me chamar fez com que eu parasse no mesmo lugar e me girasse em meus calcanhares. Não respondi e fiquei apenas a encarando. “Obrigada.”

Fiquei analisando-a por uns bons dez segundos até enfim reagir. Dei um aceno com a cabeça, afinal, toda aquela sinceridade repentina havia me pegado de surpresa e eu não sabia como reagir.

Coloquei as mãos no bolso e olhei um pouco para baixo, não querendo mais olhar em seus olhos. “Volte para dentro, está frio aqui.”

Seu suspiro foi audível, e pude ver quando ela fungou. “Obrigada.”

Vi quando ela se virou e como um furacão passou pelas portas de entrada da delegacia.

Que noite do cão, pensei.

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